sábado, 23 de dezembro de 2006

Picos da Europa - Roteiro para uma incursão familiar.







Texto e fotos: Luís de Matos
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Foto: Mapa do Parque Nacional dos Picos da Europa.





“… Aquele que viajou conhece muitas coisas e o de grande experiência discorre sabiamente. Aquele que não tem experiência, pouca coisa sabe, mas o que viajou aumenta a sua habilidade. Vi muitas coisas nas minhas viagens e o meu saber ultrapassa as minhas palavras…”

Ben Sira 34, 9-11



Desta, nem o José Megre se lembraria…


Entretanto vou alinhavando os meus planos de grandes viagens (que nunca fiz..., embora leia bastante!)... Europa em primeiro lugar. Depois, os troços viáveis da Pan-americana, da Route 66 e da Trans-amazónica, em caravanas organizadas (e de Land Rover, preferencialmente...) serão, muito provavelmente, os meus primeiros "alvos". Seguem-se a Oceânia e, eventualmente, alguns "troços possíveis" em África. O Oriente deixo para mais para "pacotes standard"..., já que a (in)segurança da região não permite grandes veleidades aventureiras.


Para já, vão-se fazendo coisas simples e pequenas, a que damos "grande projecção"... Assim como se transformássemos uma vulgar viagem a Cacilhas numa quase epopeia de circum-navegação! Para se rirem e "motivarem" aqui vai o que se consegue escrevinhar sobre um passeiozito tão simples e comezinho, como seja uma rápida visita aos Picos da Europa!


Nem só de praia e planície se fazem as férias, mas também de montanha! Muito especialmente…, quando já não está frio… E assim ganhou corpo a preparação de uma pequena viagem, tipo “familiar em auto-férias”, aos Picos da Europa. Nunca lá tínhamos ido e há imenso tempo que fazia parte dos nossos planos de viagens…


Como, fazendo de Abrantes a “referência de chegada e partida”, são cerca de oitocentos quilómetros de distância…, isso significava que, só para viagens, lá se iam quase dois dias. Colocando, no mínimo, mais dois ou três dias em pleno para desfrutar da zona (com crianças, adiei os planos de percursos longos a pé), tudo quanto não fossem uns bons quatro ou cinco dias de “passeio”, não daria quase para nada… 

Resolvi então “meter mãos à obra” e, guia AMEX para cima, mapas Michelin para baixo, Internet para um lado, contactos dos “clubes e malta do TT” para o outro (um “mega-thanks” ao TT Aventura, ao Clude Land Rover de Portugal, ao Clube TT da Maia e à Alfa-Aventura) e, “noitadas” para que vos quero…, lá se conseguiu esboçar um primeiro plano para uma incursão aos ditos e afamados Picos da Europa! Entretanto, constatei que, afinal, a zona é bastante concorrida no Verão. Os hotéis estavam todos esgotados! Valeram os bons ofícios do ACP Viagens e lá se conseguiu um hotel simpático… em Gijón, a meia centena de quilómetros de Cangas de Onís, o objectivo inicial… Seja!







Fotos: Mirador del Fitu.





1º dia [Terça-feira, 15 de Agosto]:
Abrantes => Gijón => Mirador del Fitu => Cangas de Onís => Gijón


“Deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”. Assim, lá nos “levantámos com as galinhas”, na manhã do feriado de Agosto e nos fizémos à estrada, ao A23 mais propriamente, a bordo do nosso Range Rover Classic, companheiro de muitas andanças! 

Em cerca de nove horas, com todas as paragens regulamentares e almoço, chegámos ao Hotel Vila de Gijón, que nos serviu de “camp base” nos quatro dias. 

Para além do fiel GPS Magellan Map 330, que desde há muito tem lugar cativo no tablier, ensaiei também o TomTom Navigator 5 (a correr num velho Compaq iPAQ 3870, com o Pocket PC 2003, em associação com um receptor GPS Haicom HI-406BT). É espantosa a evolução da tecnologia e do software em tão poucos anos. Onde a cartografia estava actualizada, o sistema deixava-nos literalmente “à porta” do destino escolhido! Uma nota apenas para a sensibilidade do PDA ao calor, mesmo com vidros atérmicos. Interrompe com uma frequência, no mínimo enervante, a ligação Bluetooth ao receptor GPS. Resolveu-se o problema deslocando o PDA para a zona superior do pára-brisas, já sob a protecção do tejadilho. Ainda que algo inestético, foi “remédio santo”! Ainda hoje lá está.

Check in feito e malas no hotel, lá seguimos para Cangas de Onís, não sem primeiro efectuar uma longa paragem no Mirador del Fitu. Situado à esquerda, num gancho da estrada que une Colounga a Arriondas, o Mirador del Fitu, ou Mirador de la Reina, é absolutamente imperdível, com uma panorâmica espectacular, a 360º, sobre a costa, os Picos da Europa, a Sierra del Cuera e a Sierra del Sueve. De per se, vale a viagem!

Em Cangas de Onís, a primeira capital do reino das Astúrias e hoje um dos principais centros turísticos da zona, dirigimo-nos à Casa Dago, sede do Gabinete dos Picos da Europa, a 100 m da igreja, para obter informações mais detalhadas sobre as pistas de todo-o-terreno transitáveis e os mapas que necessitávamos comprar e que, afinal, se vendiam, não na dita Casa Dago, mas sim na “Libreria Imagens”. Trata-se de dois mapas topográficos das “Ediciones Miguel Angel Adrados”, à escala 1:25.000 e com as coordenadas Universal Transverse Mercator, que cobrem todo o Parque Natural dos Picos da Europa.

Ao contrário de outras povoações emblemáticas dos Picos da Europa, como por exemplo, a muito bonita e afamada Potes, a cidades de Cangas de Onís não “morre” à noite, quando as hordas de turistas a abandonam. Mantém-se sempre com vida e um ar muito agradável. À entrada da cidade existe um parador com um excelente aspecto, … para quem faça as reservas com a devida antecedência…! Como não podia deixar de ser, recomenda-se a fascinante gastronomia asturiana, com as “tapas asturianas”, a “fabada” (uma espécie de feijoada), o “cozido”, o “queso Cabrales” e, naturalmente, umas boas goladas de sidra “pinchada” a pontificar no menú! Iniciámo-nos nas nobres artes gastronómicas na “Casa de la fabada”, à saída de Cangas de Onís, no sentido Covadonga, onde nos deliciámos com uma das melhores “fabadas” que nos serviram em toda a zona.

No regresso nocturno a Gijón, por estrada de montanha desconhecida, oculta com nevoeiro (e com gado bovino calmamente ruminando nas bermas), descobrimos uma outra “utilização” para o GPS: - a antecipação do tipo de curva, ou gancho, que se sucedia… e lá conseguimos chegar ao hotel.




Foto: Gíjon.








Fotos: Cangas de Onís.











Fotos: Caminho para Sotres e vista parcial de Sotres.





2º dia [Quarta-feira, 16 de Agosto]:
Gijón => Sotres => Pista Aliva è Espinama => Fuente Dé => Mirador del Cable => Vale de Liebana => Potes => Desfiladeiro de la Hermida => Rio Cares => Gijón



Bem cedinho, para evitar os autocarros turísticos em estrada de montanha, seguimos para Sotres, a aldeia habitada a maior altitude (1.045 m). Depois de mais um “mata-bicho” local e de nos aviarmos com uns excelentes “bocadillos de queso Cabrales” iniciámos o trajecto TT do dia, entrando na Pista Aliva, perfeitamente sinalizada, e que se inicia num gancho da estrada muito próximo de Sotres.



Ao que nos foi indicado, esta é a única pista que ainda está aberta a veículos particulares em toda a sua extensão, unindo Sotres a Espinama num trajecto de pouco mais de duas dezenas de quilómetros, perfeitamente sinalizado. As restantes pistas necessitam autorização especial por parte das autoridades, sendo que algumas serão mesmo perigosas.



Não tivesse começado a “chover a potes” e as vistas teriam sido ainda mais espectaculares. A Pista Aliva cruza a cordilheira, passando ao lado da Peña Vieja, o ponto mais alto do maciço Cantábrico com 2.613 m. Atravessa também os “Puertos de Aliva”, pastagens em altitude, onde o gado não é “sagrado”, mas pouco falta, quase só faltando ter de ser “empurrado” para sair do meio pista… A cerca de 2/3 da pista existe um pequeno hotel, o “Refúgio Aliva”, onde se recomenda uma escala (apesar de os empregados serem pouco mais simpáticos do que um bloco de granito, mas enfim, as vistas compensam…)! Após as inverneiras de Cabão e de Iguedri, começa-se a descer para Espinama. Ao longo da Pista Aliva existem alguns trilhos autorizados, que levam a zonas mineiras abandonadas e vale a pena explorar, mas que não têm continuação, obrigando ao regresso à pista principal. 



Em Espinama haviam-nos recomendado um belo cozido no restaurante “Vicente Campo”. Só que estávamos perfeitamente regalados com os tais “bocadillos” comprados em Sotres e seguimos directos para Fuente Dé. A viagem de teleférico de Fuente Dé até ao Mirador Del Cable é imperdível, assim como as respectivas vistas, mesmo com um tempo que faria inveja ao mais rigoroso Inverno, isto em pleno Agosto… 



Sempre debaixo de uma chuva gelada, seguimos pelo Vale de Liebana até Potes, onde São Pedro resolveu cooperar, permitindo que o Astro Rei se associasse por um par de horas à feira medieval em curso. Deixando para trás a espectacularidade de Potes (e depois de mais uns quantos rolos de fotografias…), embrenhámo-nos no Desfiladeiro de la Hermida, soberbo nas paisagens, onde os próprios aparelhos de GPS deixaram de conseguir “ver” os satélites, e daí para o desfiladeiro do Rio Cares, um pouco menos “apertado”. 



O regresso a Gijón, por estrada panorâmica (e não são todas?) fez-se sem história, calmamente e a tempo de um lauto jantar no hotel!
















Fotos: Pista Aliva, entre Sotres e Espinama.










Fotos: Miradour Del Cable, em Fuente Dé.








Fotos: Potes.





3º dia [Quinta-feira, 17 de Agosto]:
Gijón => Cangas de Onís => Covadonga => Cuevas de Altamira => Santillana Del Mar => RibadeSella => Covadonga => Lagos Ercina e Enol => Mirador Del Rei => Covadonga => Gijón


A zona de Covadonga é, às vezes, a única parte de “Los Picos” que as hordas de turistas demandam. Infelizmente para eles, que perdem tudo o resto. Naturalmente que não podíamos também deixar de visitar o Santuário de Covadonga, erguido em honra das vitória de Pelágio sobre os mouros. Chegar relativamente cedo é, aqui e em quase todos os lugares, a primeira lei do visitante interessado em desfrutar de toda a beleza paisagística e arquitectónica do local, e absorver as lições da história.



Como não nos havíamos apercebido de que o acesso de veículos particulares aos lagos Enol e Ercina estava interdito entre as 10h00 e as 20h00 (mau planeamento da minha parte…), decidimos seguir mais cedo para uma visita às grutas de Altamira e a Santillana Del Mar, deixando os lagos para depois das 20h00.



As verdadeiras grutas de Altamira estão encerradas desde 2001, para preservação das pinturas, tendo sido construída uma réplica quase perfeita das mesmas para visitas guiadas do público em geral. Os ingressos têm de ser adquiridos com antecedência (e.g., através da rede do Banco Santander, em Espanha). 



Santillana Del Mar, que, dizem os locais, “não é Santa, não é plana, nem tem mar”, é, provavelmente, uma das mais bonitas e bem preservadas povoações históricas do país vizinho e, de per se, vale a viagem e uma visita atenta.



Para uma próxima vez reservamos a visita aos lagos para a parte da manhã, sem a pressão do “lusco-fusco”. As vistas são soberbas e, aproveitando os “dias grandes” de Verão, ainda se conseguiu chegar ao Mirador Del Rei, seguindo uma pista que sai do Lago Enol. Os último quinhentos metros têm de ser feitos a pé... Afinal, tínhamos de poder dizer que também fizémos umas caminhadas! Não encontrámos lobos (Uf!), nem ursos (Uf! Uf!)) e o gado à solta até nem nos impediu de concluir o trajecto já de noite… Valeu a pena! Um grande final para esta nossa primeira incursão aos Picos da Europa!















Fotos: Covadonga.








Fotos: Caminho para os lagos Enol e Ercina.







Foto: Lago Ercina.





Foto: Lago Enol.






Foto: Mirador del Rey. A pista termina em Pan de Carmen, seguindo-se depois a pé, menos de um quilómetro.






Foto: Regresso `"civilização", junto ao lago Enol.









4º dia [Sexta-feira, 18 de Agosto] / 5º dia [Sábado, 19 de Agosto]:
Gijón => Oviedo => Salamanca => Abrantes



Esqueçam aquela conversa das nove horas de viagem. Desta vez e apesar da chuva, resolvemos “não madrugar” e dar umas voltas demoradas por Gijón, Oviedo e Salamanca, o que levou a que a chegada a Abrantes se registasse já na madrugada do… 5º dia. Tudo isto após cerca 2.500 km e 260 litros de gasóleo depois de termos deixado Abrantes no início da semana!












Fotos: Santillana del Mar.







Fotos: Oviedo.










Fotos: Salamanca.






Boas viagens!


Luís de Matos


(Verão de 2006)

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